A Estátua de Sal
(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 22/07/2015)
(Nota: Este texto é interessante. O
autor não quer acreditar que Portugal e Espanha tenham querido
dificultar as negociações com a Grécia por calculismo político, querendo
evitar as consequências, que um eventual sucesso da Grécia nas
negociações, teria nos futuros atos eleitorais nesses países, porque
isso seria sadismo. Não querer acreditar é um direito legítimo de
qualquer um, porque para acreditar é preciso fé. Nesse sentido, verbera
mais Juncker por ter dito a verdade do que Passos ou Rajoy por terem
feito o que fizeram e por serem o que são, nas palavras do autor,
sádicos. Com o enviesamento propagandístico que tem vindo a acentuar-se
na linha editorial do Expresso, só me resta perguntar, parafraseando
Júlio César: “Também tu, Pedro Santos Guerreiro?” – Estátua de Sal.)
A sucessão de reuniões de Eurogrupo,
de cimeiras, de rondas de negociações, de encontros bilateriais, de
fugas de informação e de declarações oficiais de responsáveis europeus
revelou como a Europa está partida dentro das próprias instituições
feitas para garantir a união. As declarações e desmentidos de hoje entre
Juncker e Passos Coelho (apoiado por Cavaco) sobre a Grécia são apenas
mais um reflexo dessa falha que se aprofunda. E que não prenuncia nada
de bom.
Não é normal que o presidente da Comissão
Europeia venha revelar quem se opunha e quem favoreceu determinadas
negociações. Nem é normal que isso provoque uma reação de desmentido,
ainda que educado, do chefe de Governo e do chefe de Estado de um país.
Mas foi o que aconteceu ainda hoje. Em entrevista ao jornal belga Le
Soir, Jean-Claude Juncker afirmou que “Irlanda, Portugal e Espanha não
queriam [uma renegociação da dívida grega] antes das eleições e ficaram
irritados comigo”. Já vamos ao conteúdo. Porque na forma nada disto faz
sentido. Juncker quer tanto ficar na história como salvador das
negociações (ou mesmo da Grécia…) que colocou a importância do seu ego
acima da importância do seu cargo.
As feridas estão abertas mesmo dentro dos
países, como se vê pelo caso do governo alemão, em que segundo a
imprensa local se quebrou uma aliança que havia sido esteio da
governação não só externa mas sobretudo interna: a aliança entre a
chanceler e o seu ministro das Finanças. Angela Merkel defendeu um
acordo com a Grécia, ao passo que Wolfgang Schäuble queria pura e
simplesmente promover a saída do euro do país governado por Alexis
Tsipras. Como escreveu o Spiegel, o afastamento gerou ressentimento na
Alemanha e mal-estar com a França, que pode ter pedido uma governação a
seis países nem sequer para eliminar os demais países mas para criar
oposição institucionalizada à Alemanha.
A posição portuguesa conta relativamente
pouco, não apenas pelo peso específico negocial mas também pela forma
apascentada que nos últimos anos assumimos perante os poderosos da
Europa. Dizê-lo não é sequer um juízo de valor, é uma observação. Juízo
de valor é condenar o governo português por ter querido condenar a
Grécia, o que foi sendo indisfarçável ao longo dos últimos meses e
sobretudo das últimas semanas. Triste mas indisfarçável. E mais triste
ainda se admitirmos que houve cálculo eleitoral nesse desejo. Se o
governo espanhol queria que o Syriza fracassasse para dissuadir o voto
no Podemos, queria o governo português o desastre na Grécia para
valorizar o seu trabalho em Portugal? Não é sequer imaginável imaginar
que isso pode ser verdade. Mais que calculismo, seria sadismo. Mas é o
próprio Juncker que assume (as palavras são dele) o interesse eleitoral
nacional como critério de gestão da negociação com a Grécia.
Pior que a falha diplomática de Juncker
nas palavras de hoje é a falha tectónica entre países a favor e contra o
acordo com a Grécia, que esta declaração de Juncker talvez
involuntariamente até agrave. A gestão da crise mostrou a dificuldade de
governo interno nas próprias instituições, que reclamam uma espécie de
comité executivo menor e, portanto, mais ágil no debate e na decisão.
O problema não é o tamanho, é a representação. Se for para cristalizar o poder dos países poderosos sobre os países mais pequenos ou fragilizados, então subvertemos totalmente o processo de construção europeia, promovendo nem sequer uma federalização mas uma colonização política através de órgãos que nem sequer são eleitos pelos povos mas que dominarão as decisões que moldam as suas vidas.
É nisto que vamos acabar?
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