terça-feira, 29 de setembro de 2015

Vasco Pulido Valente - e Francisco Louçã.

"Tudo Menos Economia" 
Em: nao-ha-nada-a-fazer-tenha-paciencia
Por Francisco Louçã.


Portugal não tem cura, é uma piolheira, a política é um manicómio e a elite, de alto a baixo, é uma bosta, já se sabe. Mas há um homem para nos relembrar todas as semanas essa evidência. Assinalo a grandeza deste preclaro salvador e desbarreto-me perante ele. Veja o leitor ou a leitora o inventário dessa luminosidade.

Ele, o Dr. Vasco Pulido Valente, começa por cima quando pergunta se alguém, que não ele, nos pode salvar. Ora, ele sabe que, em Belém, “o dr. Cavaco exibe a cada passo, até nos mais pequenos pormenores, a sua incapacidade para o cargo em que infelizmente o puseram. (…) O sr. Presidente da República devia daqui em diante observar um silêncio penitente e total, com o fim meritório de não assanhar a crise que ele consentiu e em parte criou.”

Assim, “hirto e rígido, o dr. Cavaco, apesar de 20 anos de poder, nunca verdadeiramente percebeu o que era a política, como não percebe o enorme problema que a sua obstinação criou ao país (e estará) a partir de Janeiro oficialmente morto e a partir de Fevereiro instalado no admirável conforto do Algarve e da reforma.”

Enterrado o presidente, que não nos salva, restam talvez o primeiro-ministro, o governo ou os partidos.

Mas é evidente que “o desdém hoje comum pelo primeiro-ministro, que nem chega a ódio, vem do facto prosaico de que as pessoas não o levam a sério. A diatribe pueril e errada sobre os jornalistas e os comentadores não excitou ninguém. É o que se espera da criatura.”

Enterrado o presidente, sai o primeiro-ministro, também não nos salva. Sobreviverão o governo e os partidos?

Nunca, o governo e os partidos são insondáveis na sua baça estupidez. “Informado ao pormenor sobre os malefícios de Pedro Passos Coelho, de Paulo Portas, da sra. ministra das Finanças e de mais meia dúzia de ‘notabilidades’ sem consequência, o cidadão comum não percebe os propósitos do Governo ou da oposição. As futilidades que os chefes trocam na rua, na televisão e no Parlamento não lhe servem de nada.”

Por isso, o governo só procura fugir da sua obra e esconder-se dos indígenas. “Resta que o futuro dos génios que nos pastoreiam parece duvidoso. O primeiro-ministro arranjará com certeza um lugar condigno. Pires de Lima e Paulo Macedo também. Alguns voltarão a um escritório de advogados, que é uma boa maneira de continuar na política à socapa. A maioria ficará depenada e só. E mesmo que Portas se retire para Caxias-Colombey, não pode contar que o ponham em Belém daqui a vinte anos.”

Enterrado o presidente, defenestrado o primeiro-ministro, disperso o governo, esquecido o vice-primeiro-ministro, ignorados os partidos, o que sobra em Portugal, quem nos salva?

Ninguém nos salva? Alto. O Dr. Vasco Pulido Valente, num raro mas assinalável momento de humildade, descobriu outro que, como ele, ainda nos pode salvar. Apresente-se o salvador:

“Mas nada chega à indiferença olímpica de Miguel Beleza. Pensa Beleza que ‘saia’ a Grécia ou ‘saia’ Portugal, isso teria ‘pouca influência’ na zona euro. E acredita, evidentemente, que a bancarrota da Grécia não iria provocar grandes sarilhos cá por casa. O dr. Miguel Beleza é um sedativo na berrata estabelecida. O que me permitirão descrever como a ‘economia institucional’ anda muito nervosa. A ‘economia de esquerda’ (?) fala em ‘carnificina social’ e em ‘retrocesso’ da civilização. O português comum esvoaça no meio da barafunda. Só o dr. Beleza pachorrentamente dá o seu passeio e consegue aguentar a trepidação alheia. De quem Portugal precisa é do dr. Beleza e não do bando de excitados que se esganiça por este pobre país, sem saber o que pensa e o que quer. Deixem de pensar em desgraças. O dr. Beleza sabe mais do que nós. Não tirou um curso na Lusófona; tirou um doutoramento no M.I.T..”

Só que o homem é pasmado, indiferente, olimpicamente indiferente, pachorrento até – mas é doutorado no MIT, o que eleva a indiferença olímpica às latitudes de Boston. Sabe tudo e não faz nada, “consegue aguentar a trepidação alheia” com o seu silêncio distante, mesmo que sinta o português, coitado, a “esvoaçar no meio da barafunda”. Por isso, a verdade é esta: nada, nem este salvador sedativo, “nenhum homem – ou mulher – inteligente e cordato se meteria voluntariamente nesta sopa turva”. Um sarilho que os indígenas nem conseguem perceber.

Pululam conversas de café e candidatos presidenciais avulsos pois, “fora isto, que não é pouco, aparecem quase dia a dia ajuntamentos com um papel na mão, que pretendem promover causas sem sentido, a roçar a pura idiotia, e se manifestam por aí com o vocabulário e a ênfase de uma religião apocalíptica. Claro que a desagradável tendência para a exibição (e a exposição) explica uma parte substancial deste amor romântico pelo espectáculo. A personagem obscura da sociedade portuguesa descobriu de repente que a política era um bom caminho para a ‘fama’; e a crise, naturalmente, produziu a sua própria colheita de ‘famosos’.”

Nada. Nem presidente, nem primeiro-ministro, nem vice, nem ministros, nem os seus partidos, menos ainda os seus candidatos, ninguém nos salva, nem o pacato doutorado no MIT.

A bem dizer, só sobra o Vasco, o próprio Vasco, tão só que dá pena, ele que foi governante com o presidente “hirto e rígido”, deputado com o partido “que ninguém leva a sério” e apoiante de candidatos presidenciais tão pululantes nesse “amor romântico pelo espectáculo”.

Bem sabe portanto do que fala, o que é o melhor elogio que se pode fazer a um áugure. É por isso que tanto estimo a prosa do Vasco, homem previsível e até fácil: sabemos sempre o que ele vai escrever, limita-se a confirmar a sua certeza sobre esta choldra piolhosa que se tornou uma barafunda e uma berrata.

Alguém tem que segurar o leme deste triste país, senão para o dirigir, pelo menos para o lamuriar bem lamuriado.

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