terça-feira, 28 de agosto de 2012

Subida ao Vulcão da Ilha do Pico - 2351m - Verão 2012


Azores - Pico Island Volcano Climbing - 2351m - Summer 2012


É verdade que a imagem dos Açores, no imaginário do residente mediano das medianas e grandes metrópoles, não tem a grandeza de outras paragens. Não tem a promoção das Seychelles; não tem os fluxos das Caraíbas nem tão pouco das Ilhas Gregas. Todavia, em termos de beleza e exotismo, não fica aquém de qualquer um deles, exceptuando naquilo que o alimenta e mantêm: um "clima" de variação frequente.

Esta introdução vem a propósito da concretização de uma intenção não recente de fazer a escalada do Vulcão da Ilha do Pico, em dia descoberto e suficientemente seco. No passado ano já se havia programado tal iniciativa mas não se conseguiu uma previsão boa, suficientemente longa e estável. Neste ano, entre a última semana de Julho e primeira de Agosto, calhou e foi algo de memorável.

O acesso à ilha do Pico, nos meses de Verão, não é complicado nem problemático. Do exterior ao arquipélago existem ligações à Ilha de S. Miguel (a maior), à Ilha Terceira ou à do Faial. A ligação ao Pico é feita através da companhia aérea regional (Sata - Air Açores); ou através dos navios da Atlanticoline ou (a partir do Faial) através dos barcos da Transmaçor "Cruzeiro ou Expresso do Canal".
 



O alojamento na ilha é compatível com a típica procura: entre 15 de Julho e meados de Agosto costumam estar lotados, mesmo depois do aumento de capacidade no Hotel Caravelas (na Madalena).
Não me parece que se justifiquem grandes comentários acerca das recentes transformações na "geografia" da Vila da Madalena (a principal Vila da Ilha) mas a verdade é que a silhueta urbana resultante da alteração do volume do hotel Caravelas, e das obras portuárias, em nada acrescentaram ao valor atribuído à ilha e viagem pelos visitantes deste destino. Felizmente existem belíssimas unidades de Turismo em Espaço Rural, Residenciais e até uma excelente Pousada de Juventude (Vila de S. Roque) instalada em antigo Convento Franciscano.

A aproximação feita de avião dá uma perspectiva bem diferente da vida neste torrão, algures no meio do Atlântico Norte. É a segunda maior ilha dos Açores, é certo, mas vista do alto denota a sua real natureza, dimensão e fragilidade.




Ao longo da rota de aproximação ao aeroporto, algures na costa Norte, próximo do Lagido, entre S. Roque e a Madalena, o majestoso símbolo da ilha sobrepõe-se a qualquer outro atractivo.


Ir à ilha do Pico, no Verão, é algo simples, seguro e fácil de programar com antecedência. Conseguir uma ou duas semanas de montanha completamente descoberta, durante o dia ou noite, já não é tão fácil.


Pousada de Juventude - S. Roque do Pico.



As tarefas de preparação de uma subida são algo que varia tanto quanto varia a natureza, experiência e pragmatismo dos candidatos. Apesar de ser obrigatória a entrada pela Casa da Montanha, com pagamento de taxa (10€/pessoa), a montanha não está vedada, razão pela qual existem alternativas de trajecto. Vimos desde pessoas a subir sozinhas, iniciando viagem de noite, com apenas umas sandálias, um impermeável, uma garrafa de litro e meio de água e uma máquina fotográfica ... até outras integradas em grupo, com guia acreditado e equipadas quase como se fossem subir aos Alpes Suíços.

No nosso caso éramos cinco pessoas, incluindo criança de nove anos, e optamos por subir sem qualquer guia. Sabíamos que todas as subidas apontavam ao topo e que todas as descidas terminariam no mar. Portanto, apenas tínhamos de evitar trabalhos desnecessários.
Como contávamos subir à tarde, ver o Por-do-Sol no topo, acampar e pernoitar na cratera, e ver o Nascer-do-Sol, tínhamos de assumir autonomia completa. Conhecíamos a geografia da ilha e a "anatomia" básica da montanha; portanto, não estávamos às cegas. Cada um com a sua mochila de campismo, uma tenda de 4 pessoas para 5, sacos cama e esteiras, roupa para subir e outra muda para passar uma noite a temperaturas eventualmente negativas, 3 litros de água para cada um, muita comida - não tendo ficado esquecidos o fogareiro a gás para aquecer feijoadas, o vinho para as acompanhar, os cafés e outras comodidades e telecomunicações.


Saída de S. Roque, em direcção à Estrada e Casa da Montanha.

Ramal de acesso à Casa da Montanha

Ilha de S. Jorge e Canal, ao fundo. Sobre S. Jorge vislumbra-se, ao longe, a Ilha Graciosa (com distancias encurtadas pelo zoom da máquina fotográfica)

Casa da Montanha - e escadaria de acesso ao inicio do atalho/trilho estabelecido.





Antes do início da subida o "Staff" da Casa da Montanha anota os dados pessoais dos "Montanhistas", faz as advertências adequadas e exibem um pequeno vídeo informativo. Confesso que não esperava instalações e serviço de tão bom nível e, assim, os 10€/pessoa cobrados pelo menos tem algum retorno.
 

Como já prevíamos, o inicio da subida faz-se por entre uma vegetação tipicamente insular e Atlântica (bosque arbustivo da Macaronésia), com vegetação de urzes, azevinho, cedro do mato e outras, com altura máxima a permitir boa visibilidade e perspectiva do caminho. Embora o trilho, nesta zona, esteja muito danificado pela água das chuvas, o declive ainda não é acentuado e encoraja os mais apreensivos a continuar a subida depois da primeira centena de metros.

Nesta zona (-+ 1500m) são frequentes as neblinas ou nevoeiros, geradores de alguma incerteza quanto ao tempo que se vai encontrar acima. No nosso caso nem tivemos tempo para pensar muito; alguém vindo de cima dissipou as duvidas (200 m acima já não existem nuvens - ponham protector solar e verifiquem a água).



Passados aproximadamente os 1800 metros de altitude, a vegetação muda e, com ela, a paisagem. Devido às condições mais adversas de clima, passa-se a encontrar vegetação rasteira e os "bordões" de lava originais claramente expostos (pouca ou nenhuma cobertura vegetal).

Nesta zona a tonalidade do azul do céu (e a secura do ar) altera-se de forma notória e começamos a contar marcos e a antever (erradamente, muito erradamente) a crista da cratera (fim do caminho).

A subida está claramente marcada, com diversas pequenas alternativas, balizada por 46 marcos de madeira, quase todos visíveis do seguinte ou anterior. Não sentimos especial dificuldade em cumprir com as 4 horas de subida previstas mas, confesso,   no último quarto, já questionávamos se teria valido a pena ter trazido tanta carga (a mochila mais pesada levava seis garrafas de água (de 1.5 Lt cada) e pesava mais de 20 Kg).









Ao fim da tarde e por volta dos 1600/1700 m, a luz  e as cores começaram a oferecer um espectáculo impressionante. Oceano nebuloso mais abaixo, quase ao alcance da mão; um ambiente de cores e formas "fortíssimas" ... a incerteza do caminho nunca antes por nós percorrido ... a certeza de que não teríamos muito mais companhia àquela hora ... e a imensidão da massa do vulcão ... e o Atlântico a perder de vista.
Para visualizar as restantes fotos (caso não apareçam de forma natural) use o link abaixo:
Subida ao Vulcão da Ilha do Pico - 2351m - Verão 2012  (Hiperligações para esta Mensagem)

... e, já agora, as outras perspectivas da mesma viagem:





Deixar uma marca no caminho é sempre uma tentação ..: a de eternizar algo que muito se valoriza ... a aventura da "escalada!.

E o Faial ali ao lado ...!

Ao fim de muito esforço, muita paragem, muita fotografia, entramos "abruptamente" na cratera. Para quem nunca lá tinha estado antes é uma visão inesperada. Uma paisagem inóspita, quase lunar, a lembrar imagens ficcionadas da origem da terra, com bordos altíssimos na concavidade da cratera e, naturalmente, com o "piquinho" à vista.   





Ainda antes do final do dia mais alguns "Escaladores" chegaram, cumprindo o ritual prévio à entrada na cratera - o de "arregalar os olhos" de "espanto" e perpetuar o momento em algumas fotos.




A entrada na cratera foi acompanhada de um misto de extremo cansaço, deslumbramento e incredulidade sobre a possibilidade de escalar o piquinho. O Sol estava a pôr-se, com contrastes quase violentos; não se vislumbrava vereda ou caminho para a escalada final ao topo (Piquinho).

No meio dessa ansiedade para descobrir uma solução, eis que se notam duas minúsculas figuras a subir, por entre penhascos e escórias, até ao topo. Pensamos dois de nós: se eles conseguem subir (e descer ainda hoje), nós também havemos de conseguir. Minutos depois já estávamos a meio caminho e a "estranhar" a exalação dos vapores quentes das entranhas do vulcão. Não havia atalho nem vereda mas sim áreas menos más; com menos pedra rolada.

 
Chegados ao topo, ainda com o sol tangente, foi uma visão de "Outro Mundo"; um misto de espanto ao ver as 5 ilhas lá em baixo (Pico, Faial, S, Jorge, Graciosa e Terceira) e receio dos perigos do regresso. Lá em baixo, muito lá em baixo, notavam-se as tendas de campismo montadas, minúsculas ... para aonde ainda tínhamos de descer antes de escurecer demasiadamente.








Sol já muito baixo, transformando a cratera num espaço quase a preto e branco ....

... uns rebordos da cratera rochosos, ásperos, quase agressivos ...


E como vamos conseguir descer isto (do "piquinho" para a cratera), quase às escuras, pelo meio destes veios de basalto e acumulações de cascalho rolante, sem provocar e ser levados numa avalanche de pedras?



Às 4.30 da manhã o pessoal das duas tendas ao nosso lado já estava em movimento ... a sair e começar a subir o Piquinho. Achávamos muito cedo. Dormir ali os cinco, amontoados numa tenda de quatro, tinha sido uma experiência pouco repousante. Enquanto uns dormiram profundamente (o mais novo), outros passaram o tempo a virar-se na procura de melhor posição, a admirar o luar limpo daquela noite, a questionar-se acerca da secura e frieza do ar dentro da tenda ou ainda a entreter-se a comer e beber o que encontravam nas mochilas.
Por volta das 5.00 da manhã saímos das tendas e rumamos à subida final, apenas com o resto da luz da Lua Cheia
. Tínhamos ideia de onde havíamos descido durante o anoitecer anterior mas perdemos-lhe o rasto a meio da subida. Nada mais havia a fazer do que evitar zonas de cascalho solto e tentar encontrar rocha sólida por onde trepássemos. Sem saber como nem por onde, ao fim duma dúzia de minutos estávamos no topo, que já estava relativamente ocupado. Uns ainda ensonados, outros enregelados e outros impressionados; cada um procurando espaço para assistir ao espectáculo que se avizinhava: o nascer do Sol sobre S. Jorge e por detrás da Graciosa..




A ponta nascente da Ilha do Pico estava relativamente limpa de nuvens e a noção de arquipélago era aqui algo que em nenhuma outra parte dos Açores se sente de forma tão clara.



Tenho pena de não poder identificar melhor o Guia com que nos cruzamos (aqui de camisola verde "fluorescente" ... alegadamente oriundo de S. Jorge). Chegou com um grupo aproximadamente às 7/8 horas da tarde e com outro às 5 horas da manhã.
Para além de bom comunicador, conhecedor dos detalhes da geologia, biologia e história da Montanha, era fluente em Inglês e tinha pernas de montanhista. Uma criatura comum demora 4 horas a descer a Montanha enquanto ele demora menos de hora e meia (por atalho mais ou menos recto). Um comum demora 10-20 minutos a descer o Piquinho, enquanto ele demora menos de 5 minutos.
De início achei caro o "cachet" de montanhista/guia (a quem não recorremos) mas, no fim, reconheci quanto dura, e sazonal, é aquela actividade, para a qual não basta ter pernas.

Ponta dos Rosais, em S. Jorge, ao fundo (esquerda), Veles em frente ... e um mar de "azeite" (Canal) pelo meio. S. Roque do Pico mesmo em baixo.



Num ambiente de espanto ou admiração, havia pouco espaço para comunicação entre desconhecidos. Mesmo assim, a presença de um dos Guias foi suficiente para dar algum significado adicional à subida, versado que era ele em aspectos geológicos e históricos acerca da formação do vulcão.



Hallo Mutter, ist der Blick von hier ein Schauspiel ... .... !

E a habitual gigantesca sombra matinal do vulcão, projectada para SW sobre o manto de nuvens ou do mar. E a Lua Cheia ao fundo, ainda sobre o horizonte.


Bordo NW da cratera, com ilha do Faial ao fundo.

Topo de S. Jorge ao fundo, quase se vislumbrando a ilha Terceira por entre a bruma da madrugada.

Pico - lado Nascente.


Apesar das fumarolas à volta do cume do Piquinho, a madrugada é fria!.


 Momentos inesquecíveis ....



 Sol já com alguma altura, fotos tiradas, conversa posta em dia, e eis o momento de procurar vereda para a descida do Piquinho até à cratera e, depois, montanha abaixo.








Subir isto, às 5 da manhã, no escuro, sem caminho marcado e com toda esta pedra solta, não é "Pêra Doce"!


Ainda há tempo de fazer um café, reforçar o pequeno almoço e, depois, desmontar tenda, arrumar mochilas, tirar ultimas fotos e andar .... E o reforço do pequeno almoço alguns foi valente: uma feijoada quente com leite achocolatado ...

... uma ultima espreitadela e ...

... e toca a procurar a descida ...

... descer, parece que vai ser "canja" ...

... não sem antes tentar deixar uma marca, uma memória, uma esperança de voltar ...



Tínhamos a ideia de que a subida à montanha era um dos atractivos da ilha. O que  não imaginávamos era o nível de procura que tal atractivo tem, especialmente nos estrangeiros visitantes. Na descida encontramos inúmeros grupos a subir (centenas de pessoas talvez), com ou sem guia, de todas as idades (dos 7 aos 77 anos), alguns a fazê-lo com grande facilidade, enquanto que outros iam pondo "os bofes pela boca fora".



Os Guias sempre fazem umas incursões acessórias a locais onde a perspectiva é interessante ou onde algum cliente sugira ...




SW da ilha, algures entre S. João e S. Mateus ...

E a Horta (Faial) ali tão perto ...



























E, já agora, os links para outras perspectivas da mesma viagem:




Faial Island landscape and Horta / Summer

Paisagens da Ilha de S. Jorge - Verão de 2013


Mapas:






1 comentário:

Anónimo disse...

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