Miguel Sousa Tavares
Jornal Expresso 08/12/2007
Excerto sobre a Cimeira União Europeia-África:
«Para que serve este imenso ‘bazaar’? Principalmente, para nada, como dizem os alentejanos. Tudo o que havia a discutir e a assinar, como a tão desejada por Sócrates ‘Declaração de Lisboa’, já está acordado e escrito. Mas os grandes do mundo precisam e adoram estas oportunidades mediáticas e, afinal de contas, um fim-de-semana em Lisboa, com dois banquetes e um concerto com a Marisa e a Cesária Évora pelo meio, nem é nada desagradável: os europeus aproveitam para ver sol e os africanos para ver mundo e mandarem as «madames» às compras. Não é Paris nem Londres, mas sempre é um país hospitaleiro, que gosta de receber bem e cuja política externa não incomoda ninguém e se contenta em que lhe dêem coisas inócuas e que soam bem, como a ‘Declaração de Lisboa’.»«Em concreto, a cimeira vai custar umas dezenas de milhões de euros aos portugueses, a Europa rica vai dar à África miserável 1,2 mil milhões de euros até 2010 - dos quais, como de costume, apenas cerca de 10% chegarão ao destino e terão utilidade concreta. Destarte, a Europa sacode os seus problemas de consciência, como um pai que passa um cheque ao filho ‘com problemas’ e não se preocupa mais com o assunto. Mas os produtos agrícolas de África - a sua melhor hipótese de sair da miséria - continuarão fechados aos mercados europeus para proteger a sagrada PAC e os agricultores ricos da França e outros mais e o comércio em geral continuará a ser ditado por relações de desigualdade e batota. A Europa continuará a dar peixes, mas não a ensinar a pescar. Quanto à África e aos seus ditadores de opereta, com as mãos manchadas de um sangue que não sai e os bolsos atulhados de dinheiro roubado às suas populações, limita-se a estender a mão a mais uma esmola e a agradecer a oportunidade de reconhecimento internacional por que a diplomacia portuguesa tanto se esforçou nos últimos meses.»«Esta é a triste história das relações da Europa com África de há cinco décadas para cá: os governos europeus dão umas esmolas e, em troca, avançam a seguir as multinacionais que sacam tudo o que podem sacar e enchem as contas bancárias dos governantes africanos na Suíça. Quando as cenas de miséria do continente negro se começam a tornar outra vez incómodas nas televisões ocidentais, convoca-se nova cimeira com os corruptos e dá-se-lhes mais uma esmola para aliviar as consciências ou produz-se mais uma grandiosa Declaração de Lisboa ou de Reiquejavique para enganar os tontos. Mas nunca os ricos se atrevem a exigir aos pobres que roubem menos e que matem menos - isso estragaria os negócios. Assim, a ‘Declaração de Lisboa’ não deixará, certamente, de conter uma referência ‘muito forte’ aos direitos humanos e à democracia, a qual será tranquilamente apoiada por gente estimável como Mugabe, do Zimbabwe, José Eduardo dos Santos, de Angola, ou Omar Bongo, do Gabão - que, juntos, perfazem oitenta e oito anos de poder, de arbitrariedades de toda a ordem e de negócios, mais uma sempre bem-vinda e inestimável factura de hotel em Lisboa.»
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