Passado o Santo António e o São João, vem o São Pedro - e as "Cavalhadas da Ribeira Grande".
Este ano vizitamos a zona onde nasce o "desfile": a Mafoma.
Curioso, estes peculiares arranjos florais, pendurados em varandas e replicados na decoração interior da Igreja da Ribeira Seca. De alguma forma demonstram o peso da comparticipação concedida por cada familia à realização do evento (um arranjo floral por cada n€/$).
Este ano vizitamos a zona onde nasce o "desfile": a Mafoma.
Curioso, estes peculiares arranjos florais, pendurados em varandas e replicados na decoração interior da Igreja da Ribeira Seca. De alguma forma demonstram o peso da comparticipação concedida por cada familia à realização do evento (um arranjo floral por cada n€/$).
"Cavalhadas de São Pedro"
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
Sete vidas mais uma: Daniel de Sá
"As
Cavalhadas da Ribeira Seca da Ribeira Grande são uma das tradições mais
notáveis e famosas dos Açores. O nome deriva do Castelhano caballadas
(de caballo), que se refere a vários tipos de provas de destreza
equestre. Câmara Cascudo, no Dicionário de Folclore Brasileiro, define
cavalhada como desfile a cavalo, corrida de cavaleiros, jogos de canas,
jogo de argolinhas. As cavalhadas subsistem em muitas partes do Brasil, e
as de Pirenópolis, no Estado de Goiás, ligadas às festas do Espírito
Santo, seguem a tradição europeia da dramatização da luta de Rolando
contra os Mouros, em Roncesvales, a célebre gesta dos Doze Pares de
França. As primeiras cavalhadas de Pirenópolis aconteceram em 1826,
sendo a maior parte dos seus habitantes oriunda do Norte de Portugal. Em
Vildemoinhos, perto de Viseu, mantêm-se como desfile de cavaleiros
vestidos de fato escuro e montando cavalos ajaezados. Resultam, segundo a
tradição, de uma promessa feita a São João Baptista pelos moleiros, no
caso de conseguirem sentença favorável de água para os seus moinhos,
havendo quem pense que têm influência das Cavalhadas da Ribeira Seca. A
primeira destas romagens à capela do santo, com os cavaleiros vestindo
de negro, como os nobres, e com os cavalos ajaezados, terá sido em 1652.
No entanto, no século XX passaram a incluir carros alegóricos, bandas
de música, ranchos folclóricos e muitos outros elementos que não faziam
parte da tradição.
Há
a opinião generalizada de que as Cavalhadas da Ribeira Seca terão sido
inspiradas nos jogos de canas. No entanto, essa influência, se realmente
existiu, talvez não tenha ido além do facto de se tratar de um desfile
de cavaleiros, vestidos com trajes coloridos e montando cavalos
ajaezados.
Os
jogos de canas consistiam numa simulação de luta entre dois grupos de
cavaleiros, e eram assim chamados por ser uma cana que servia de lança
de arremesso ou dardo. Para se defenderem, os cavaleiros usavam um
escudo pequeno e redondo de coiro, a adarga. Há notícia de alguns destes
combates realizados em São Miguel, sendo aquele de que se conhecem mais
pormenores o que organizou o quinto Capitão da ilha, Rui Gonçalves da
Câmara, o segundo que houve com este nome. Foi num dia de Páscoa, pouco
tempo depois da subversão de Vila Franca do Campo em 1522. A folgança
destinou-se a divertir a população de São Miguel, ainda muito abalada
pelos trágicos acontecimentos daquela noite de 22 de Outubro. Os
contendores de Ponta Delgada e da Lagoa lutaram contra cavaleiros da
Ribeira Grande – a que se juntou alguma gente de Rabo de Peixe –, de
Água de Pau e de Vila Franca. Vestiam trajes coloridos de seda, veludo e
outros tecidos nobres. Os de Vila Franca, em sinal de luto, usaram
apenas o preto e o roxo. Os cavalos, e mesmo uma besta que transportou
as canas, estavam também ricamente adornados. O combate decorreu num
terreno ao longo do mar, na Lagoa, onde o Capitão residiu algum tempo
depois da tragédia. Veio muito povo, de toda a ilha, que assistiu num
lugar mais alto, de modo a estarem todos protegidos de eventuais
pisadelas dos cavalos ou de alguma cana que falhasse o alvo.
Muitos
eram os cavaleiros que usavam mais do que um cavalo, porque a luta lhes
exigia um grande esforço. Havia arranques e paragens constantes e
corridas com mudança de direcção em ângulos apertados, numa espécie de
bailado para fugir ao ataque dos adversários ou para tentar apanhá-los
desprotegidos. Nesse jogo de canas houve um episódio que serve para
perceber como, por vezes, essa simples diversão poderia tornar-se numa
luta perigosa. Esteve ali presente o Abade de Moreira, que viveu alguns
anos na Ribeira Grande, exímio na arte de cavalgar e de jogar as canas.
Lutador incansável, levou consigo dois cavalos. Um dos adversários com
quem lutou foi D. Manuel da Câmara, filho do Capitão, a quem atirou uma
cana certeira que o moço defendeu com a adarga. A mãe, D. Filipa
Coutinha, exaltou-se muito, considerando que o filho tinha direito a
tratamento semelhante ao de El-Rei, a quem as canas não deviam visar o
vulto mas ser lançadas por cima da cabeça. E, no seu destempero, gritou
que matassem o abade. Este, homem forte e truculento, pegou num dardo e
respondeu que viessem matá-lo, mas que antes deixaria ali cinco ou seis
caídos para sempre. Mais sensato, Rui Gonçalves da Câmara entendeu que o
filho não tinha direito a isenções, e mandou ao abade que lhe atirasse
outra cana.
A
origem das Cavalhadas – e neste ponto é indispensável evocar o Dr.
Armando Cortes Rodrigues – é tida como resultante de uma promessa do
próprio Capitão, que era então D. Manuel da Câmara e que já voltara a
residir em Vila Franca. A lava da erupção de 1563 destruiu a maior parte
da Ribeira Seca da Ribeira Grande, deixando porém intacta a igreja
paroquial, dedicada a São Pedro. Apesar da devastação provocada, não
houve nenhum morto na ilha por sua causa. D. Manuel da Câmara teria
prometido ir cantar em verso a vida do apóstolo à porta da sua igreja,
caso a família não sofresse consequências graves. E tê-lo-á feito indo
de Vila Franca à Ribeira Seca a cavalo e acompanhado de homens que o
serviam e dos mordomos do Espírito Santo.
Ora, mesmo que se
tenha por certa esta versão, não se percebe onde estará a dita derivação
das Cavalhadas a partir dos jogos de canas. Talvez não mais do que nos
trajes usados pelos cavaleiros, em que dominam o branco e o vermelho (as
cores do Espírito Santo), pois que D. Manuel da Câmara e o seu séquito
terão ido decerto com os ornamentos pessoais e dos cavalos que
ostentariam em momentos de gala. E os jogos de canas eram um desses
momentos especiais, tanto mais que costumavam ocorrer em dias de grande
festa. A comitiva do Capitão terá dado sete voltas à igreja de S. Pedro,
talvez evocando os dons do Espírito Santo, dirigindo-se depois à sua
igreja da Misericórdia, para concluir o ritual com uma visita à ermida
de Santo André, irmão de S. Pedro. Sem grandes alterações no essencial é
este o percurso actual do cortejo, normalmente com mais de uma centena
de participantes. São comandados pelo 'Rei', seguido de perto por três
corneteiros que vão anunciando a aproximação e passagem dos cavaleiros.
Tornou-se habitual que todo o grupo, que parte do Solar da Mafoma, na
Ribeira Seca, visite também a Câmara Municipal, entoando loas à
edilidade como reconhecimento pelo apoio que dela recebem."
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