quinta-feira, 12 de novembro de 2015

A malapata do centro

Independente do "Tag" partidário que Francisco Louçã carregue, a verdade é que, concordando-se com ele ou não, continuam a brilhar no panorama da reflexão política (ou económica) nacional. E aqui segue eco de mais uma das suas intervenções. 

Tudo Menos Economia
12 de Novembro de 2015
Francisco Louçã   

Um dos aspectos curiosos da crise que vivemos, desde que as eleições conduziram ao fim do governo de Passos-Portas, é a radicalização da política.

Todos notamos esse processo. Não é só nos ódios que escorrem nas caixas de comentários deste blog ou de todos os outros, sobretudo quando o anonimato protege a bravura do insulto, no acinte de tantos dos comentadores, no frenesim de deputados (“repugnante”, grita Luís Montenegro), nos títulos bombásticos dos jornais. Deixemos isso à sua sorte.

Mas convido os leitores e leitoras a olharem para outro aspecto, porventura mais iluminante: a forma como resvalam para a direita algumas personalidades que cultivavam um lugar ao centro e que disso obtinham relevo social, cultural, comunicacional, exemplos como eram de pensamentos arejados e intrigantes.

Vejamos três casos de pessoas que leio com particular interesse e curiosidade.

Luís Aguiar-Conraria, albergado no Observador, confessa ter votado PS e estar retumbantemente arrependido, assinalando com algum humor como esta revelação o tornou popular entre os cronistas do PSD e CDS (diz ele que tem a companhia de Clara Ferreira Alves). Condecorado pelos próceres da direita como cidadão exemplar, Aguiar-Conraria repete os argumentos mais sofridos contra a mudança de política: o salário mínimo não deve aumentar, mais procura é perigoso, é preciso obedecer ao ditames europeus. Assim, alinha-se sofredoramente com quem entende ser mais coerente com o projecto de “austeridade inteligente”, indignado porque, no acordo PS-BE-PCP, os “orçamentos de Estado serão usados para ‘devolver salários, pensões e direitos’, mas nunca declaram que procurarão fazê-lo dentro do quadro das nossas obrigações europeias.” Supõe-se que as “nossas obrigações” são ortogonais em relação à “devolução de salários, pensões e direitos”.

Clara Ferreira Alves, com mais estrondo, descobre-se “anticomunista”, signifique isso o que significar. Portugal é um problema de atraso cultural perpétuo, conclui ela: “Basta ir a Londres e à Tate Modern, e visitar a exposição ‘The World Goes Pop’, para ver como Portugal não consta desta revolução”, e nesse limbo do atraso vingou o PCP durante a ditadura. Depois, descobre Ferreira Alves, nada de confusões: “O contributo de forças como o PCP e o Bloco para a democracia portuguesa é importante, apesar destes desníveis. Mas só é importante por ter sido enquadrado e travado pelo socialismo democrático dos socialistas e a social-democracia dos sociais-democratas.” O centro foi tudo mas agora encaixou-se e está ameaçado pela esquerda, enfim destravada.

Miguel Sousa Tavares, sempre mais directo, acha simplesmente que “dificilmente esta história acabará bem” (o que, consoante o tempo que se lhe dê, será garantidamente um dia verdade e outro dia deixará de o ser), porque “tudo parece girar à roda de quanta mais despesa do Estado será necessária para acolher as benfeitorias que cada um (dos partidos) propõe”. E há temas que o tiram do sério, como o fim dos exames da quarta classe que, como toda a gente sabe, foi a grande inovação do quartel-general cratista da 5 de Outubro para ensinar pedagogia a uma Europa relapsa. Tudo mal nesse acordo do PS com a esquerda.

O que há de comum entre estas três posições, porventura representativas de outras, embora muito especiais como o são os seus autores, é que apoiavam o centro e sem dúvida desejavam a sua vitória. Mas a realidade eleitoral complicou tudo e, perante a pressão desta crise política, um desloca-se para a direita, outra redescobre-se visceralmente “anticomunista” e sente a necessidade de o proclamar e outro bombardeia o novo governo como se estivéssemos no dia do juízo final.

Ora, este é um sintoma do que é algum do centro neste momento. Perturbado com a simples ideia de devolver salários e pensões, depois de nos anos anteriores se ter compungido com os sofrimentos dos pobres trabalhadores e dos velhos, este centro não tolera a prova da escolha. Amedrontado, parece ficar à espera de que não aconteça nada. Melhor com os senhores do costume, habituados que estamos ao fato de Príncipe de Gales do vice-primeiro-ministro e ao canto coral do primeiro-ministro, do que na aventura assustadora do aumento do salário mínimo para 530 euros, isso nunca.

Outros, que há um par de meses eram entusiastas da negociação da dívida, a começar por alguns do PS, preferem hoje que fique tudo esquecido, porque o clima não está para essas coisas, a Grécia assustou as boas almas, vão andando que eu vou lá ter.

Só que, e aí é que está o busílis, falta ao centro a alternativa onde lhe sobra indignação. Há um vislumbre de resposta sobre como gerir as contas públicas? Nada, só o temor reverencial à “Europa”. Há uma palavra sobre como criar emprego ou onde por as fichas do investimento? Nada, os mercados dirão. Há um gesto acerca deste indignante desbaratar de bens públicos ou da teia de interesses entre a banca e a decisão política? Não se espere tanto. Nem se deveria esperar, o centro é o lugar onde não se decide nada, obedece-se à “Europa”.

Porque não tem nada a propor e prefere nada fazer, o centro está a desfalecer. Por isso não me surpreende que alguns dos seus ideólogos ou praticantes se sintam agora forçados a sair para o lado. Só posso elogiar a sua sinceridade e a sua presciência. O que nos estão a dizer é que a esquerda pode e deve enfrentar a direita e que ninguém mais o fará, se não ela.

terça-feira, 29 de setembro de 2015

Vasco Pulido Valente - e Francisco Louçã.

"Tudo Menos Economia" 
Em: nao-ha-nada-a-fazer-tenha-paciencia
Por Francisco Louçã.


Portugal não tem cura, é uma piolheira, a política é um manicómio e a elite, de alto a baixo, é uma bosta, já se sabe. Mas há um homem para nos relembrar todas as semanas essa evidência. Assinalo a grandeza deste preclaro salvador e desbarreto-me perante ele. Veja o leitor ou a leitora o inventário dessa luminosidade.

Ele, o Dr. Vasco Pulido Valente, começa por cima quando pergunta se alguém, que não ele, nos pode salvar. Ora, ele sabe que, em Belém, “o dr. Cavaco exibe a cada passo, até nos mais pequenos pormenores, a sua incapacidade para o cargo em que infelizmente o puseram. (…) O sr. Presidente da República devia daqui em diante observar um silêncio penitente e total, com o fim meritório de não assanhar a crise que ele consentiu e em parte criou.”

Assim, “hirto e rígido, o dr. Cavaco, apesar de 20 anos de poder, nunca verdadeiramente percebeu o que era a política, como não percebe o enorme problema que a sua obstinação criou ao país (e estará) a partir de Janeiro oficialmente morto e a partir de Fevereiro instalado no admirável conforto do Algarve e da reforma.”

Enterrado o presidente, que não nos salva, restam talvez o primeiro-ministro, o governo ou os partidos.

Mas é evidente que “o desdém hoje comum pelo primeiro-ministro, que nem chega a ódio, vem do facto prosaico de que as pessoas não o levam a sério. A diatribe pueril e errada sobre os jornalistas e os comentadores não excitou ninguém. É o que se espera da criatura.”

Enterrado o presidente, sai o primeiro-ministro, também não nos salva. Sobreviverão o governo e os partidos?

Nunca, o governo e os partidos são insondáveis na sua baça estupidez. “Informado ao pormenor sobre os malefícios de Pedro Passos Coelho, de Paulo Portas, da sra. ministra das Finanças e de mais meia dúzia de ‘notabilidades’ sem consequência, o cidadão comum não percebe os propósitos do Governo ou da oposição. As futilidades que os chefes trocam na rua, na televisão e no Parlamento não lhe servem de nada.”

Por isso, o governo só procura fugir da sua obra e esconder-se dos indígenas. “Resta que o futuro dos génios que nos pastoreiam parece duvidoso. O primeiro-ministro arranjará com certeza um lugar condigno. Pires de Lima e Paulo Macedo também. Alguns voltarão a um escritório de advogados, que é uma boa maneira de continuar na política à socapa. A maioria ficará depenada e só. E mesmo que Portas se retire para Caxias-Colombey, não pode contar que o ponham em Belém daqui a vinte anos.”

Enterrado o presidente, defenestrado o primeiro-ministro, disperso o governo, esquecido o vice-primeiro-ministro, ignorados os partidos, o que sobra em Portugal, quem nos salva?

Ninguém nos salva? Alto. O Dr. Vasco Pulido Valente, num raro mas assinalável momento de humildade, descobriu outro que, como ele, ainda nos pode salvar. Apresente-se o salvador:

“Mas nada chega à indiferença olímpica de Miguel Beleza. Pensa Beleza que ‘saia’ a Grécia ou ‘saia’ Portugal, isso teria ‘pouca influência’ na zona euro. E acredita, evidentemente, que a bancarrota da Grécia não iria provocar grandes sarilhos cá por casa. O dr. Miguel Beleza é um sedativo na berrata estabelecida. O que me permitirão descrever como a ‘economia institucional’ anda muito nervosa. A ‘economia de esquerda’ (?) fala em ‘carnificina social’ e em ‘retrocesso’ da civilização. O português comum esvoaça no meio da barafunda. Só o dr. Beleza pachorrentamente dá o seu passeio e consegue aguentar a trepidação alheia. De quem Portugal precisa é do dr. Beleza e não do bando de excitados que se esganiça por este pobre país, sem saber o que pensa e o que quer. Deixem de pensar em desgraças. O dr. Beleza sabe mais do que nós. Não tirou um curso na Lusófona; tirou um doutoramento no M.I.T..”

Só que o homem é pasmado, indiferente, olimpicamente indiferente, pachorrento até – mas é doutorado no MIT, o que eleva a indiferença olímpica às latitudes de Boston. Sabe tudo e não faz nada, “consegue aguentar a trepidação alheia” com o seu silêncio distante, mesmo que sinta o português, coitado, a “esvoaçar no meio da barafunda”. Por isso, a verdade é esta: nada, nem este salvador sedativo, “nenhum homem – ou mulher – inteligente e cordato se meteria voluntariamente nesta sopa turva”. Um sarilho que os indígenas nem conseguem perceber.

Pululam conversas de café e candidatos presidenciais avulsos pois, “fora isto, que não é pouco, aparecem quase dia a dia ajuntamentos com um papel na mão, que pretendem promover causas sem sentido, a roçar a pura idiotia, e se manifestam por aí com o vocabulário e a ênfase de uma religião apocalíptica. Claro que a desagradável tendência para a exibição (e a exposição) explica uma parte substancial deste amor romântico pelo espectáculo. A personagem obscura da sociedade portuguesa descobriu de repente que a política era um bom caminho para a ‘fama’; e a crise, naturalmente, produziu a sua própria colheita de ‘famosos’.”

Nada. Nem presidente, nem primeiro-ministro, nem vice, nem ministros, nem os seus partidos, menos ainda os seus candidatos, ninguém nos salva, nem o pacato doutorado no MIT.

A bem dizer, só sobra o Vasco, o próprio Vasco, tão só que dá pena, ele que foi governante com o presidente “hirto e rígido”, deputado com o partido “que ninguém leva a sério” e apoiante de candidatos presidenciais tão pululantes nesse “amor romântico pelo espectáculo”.

Bem sabe portanto do que fala, o que é o melhor elogio que se pode fazer a um áugure. É por isso que tanto estimo a prosa do Vasco, homem previsível e até fácil: sabemos sempre o que ele vai escrever, limita-se a confirmar a sua certeza sobre esta choldra piolhosa que se tornou uma barafunda e uma berrata.

Alguém tem que segurar o leme deste triste país, senão para o dirigir, pelo menos para o lamuriar bem lamuriado.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Vasco Pulido Valente


O romantismo voltou - VPV - in PUBLICO
11/09/2015
Um debate
12/09/2015
A doença de Portugal
13/09/2015

"Vinte e cinco anos depois da queda do Muro, o romantismo político voltou. Para ficar

A gente vária e geralmente analfabeta que manda na televisão e nos jornais decidiu que o debate entre o dr. António Costa e Passos Coelho seria decisivo para a campanha e, naturalmente, para a eleição. Claro que não foi. Foi um espectáculo no Museu da Electricidade, caótico e repetitivo, que não “esclareceu” ninguém.

Cada um dos candidatos representou a personagem que lhe estava destinada – António Costa a de chefe popular com um programa debaixo do braço e de quando em quando uma ocasional berraria; e Passos Coelho a de estadista paciente e sereno que mete na ordem um secretário de Estado incómodo. Os portugueses parece que gostaram mais de Costa do que de Coelho, porque detestam a autoridade e gostam de lhe assobiar às canelas do outro lado da rua.

Do essencial não se falou. António Costa não se permitiu explicar com que dinheiro vai emendar as desgraças do seu pobre país – ponto que também não interessou aos jornalistas que alegadamente “dirigiam” o debate. E Passos Coelho também não se deu à excessiva franqueza de nos confessar o que se propunha fazer do país nos próximos quatro anos. Nada disto espanta. Os portugueses só têm uma pergunta na cabeça: vamos ficar pior com o dr. Costa ou com Passos Coelho? Pelas cenas do Museu da Electricidade, ficou a impressão de que o público que gosta de engenharia social (e Costa levou rolos de papel com os planos todos) simpatizou mais com a aventura tradicional da esquerda: a de partir alegremente com um mapa errado para sítio incerto. Em compensação, a horrenda espécie de criaturas que não se mete em sarilhos sem contar o dinheiro muito provavelmente preferiu Passos.

Acabado este intermédio, que pouco se distinguiu do concerto de uma banda qualquer, a zaragata irá continuar. Os candidatos e a sua tropa pregarão a sua mezinha, insultarão o próximo e, jurando que não prometem, continuarão como de costume a prometer, perante a indiferença do cidadão comum. O grosso do eleitorado ficará em casa, olhando com indiferença o desvario do pequeno bando que nos quer governar. Nós, por acaso, sabemos que o protectorado de Bruxelas não acabou e que uma crise nos mercados financeiros pode arruinar num minuto os mais perfeitos sonhos de homens e de ratos. Vinte e cinco anos depois da queda do Muro, o romantismo político voltou. Para ficar.
"


Um debate
"O público e os comentadores gostam de excitação e de alarido, como os pacóvios gostam de ver desastres."



"Não se percebe por que razão o jornalismo português (profissional ou amador) resolveu achar que António Costa tinha ganho a Passos Coelho.

A ideia parece ser que um debate é uma espécie de altercação de taberna em que ganha quem der mais murros no adversário e se mostrar, de maneira geral, mais malcriado e belicoso. Se este modelo se aplica a uma discussão sobre o Estado e a vida dos portugueses nos próximos cinco anos, temos, de facto, razão para desesperar. António Costa gritou e esbracejou mais do que Passos Coelho. E Passos Coelho foi falando com uma certa serenidade e não permitiu que, da parte dele, a conversa degenerasse num chinfrim com o primeiro-ministro. Mas, dizem os peritos, perdeu. O público e os comentadores gostam de excitação e de alarido, como os pacóvios gostam de ver desastres.

Veio a seguir um coro geral de lamentações. Afinal, o debate não tinha esclarecido ninguém. Primeiro, porque se discutiu durante muito tempo a personagem de Sócrates (um argumento absurdo). Segundo, porque os portugueses não perceberam metade do que ouviram (a reforma da segurança social, a saúde, a troika, a dívida pública e por aí fora). Só que, se não perceberam, o único critério que lhes ficou foi a intensidade do barulho dos dois cavalheiros em presença. E isto para não entrar no capítulo das mentiras, que ferveram do princípio ao fim: sobre a bancarrota, sobre o pedido de resgate, sobre o “memorando”, sobre o melancólico facto de que, à mais pequena crise nos mercados financeiros, não haverá dinheiro para as salvíficas promessas de Costa ou para os sonhos sem sentido de Passos.

Não passou pela cabeça dos jornalistas que “presidiam” ao debate com a sua insuportável embófia perguntar às duas notabilidades que ali putativamente discursavam ao país onde tencionavam arranjar o dinheiro para a redenção da Pátria. Ao contrário do que um observador ingénuo talvez concluísse, em todo aquele espectáculo, digno de Las Vegas (e tirando uns 600 milhões que faltam à segurança social), não se ouviu a imunda palavra “dinheiro” uma única vez. Vivemos numa situação periclitante em que o menor abano pode deitar tudo abaixo. Mas naquela arena (não sei que outra coisa lhe devo chamar) não se mencionou a Europa, a América ou a China. Apesar da retórica sobre a “globalização”, Portugal acaba em Badajoz. E o dr. Costa e Passos Coelho, coitados, suspeito que também.
"

quinta-feira, 23 de julho de 2015

A zona euro são 19. E se a Grécia sai, quantos ficam?

A Estátua de Sal

(Pedro Santos Guerreiro, in Expresso Diário, 22/07/2015)
Pedro Santos Guerreiro

(Nota: Este texto é interessante. O autor não quer acreditar que Portugal e Espanha tenham querido dificultar as negociações com a Grécia por calculismo político, querendo evitar as consequências, que um eventual sucesso da Grécia nas negociações, teria nos futuros atos eleitorais nesses países, porque isso seria sadismo. Não querer acreditar é um direito legítimo de qualquer um, porque para acreditar é preciso fé. Nesse sentido, verbera mais Juncker por ter dito a verdade do que Passos ou Rajoy por terem feito o que fizeram e por serem o que são, nas palavras do autor, sádicos. Com o enviesamento propagandístico que tem vindo a acentuar-se na linha editorial do Expresso, só me resta perguntar, parafraseando Júlio César: “Também tu, Pedro Santos Guerreiro?” – Estátua de Sal.)
A sucessão de reuniões de Eurogrupo, de cimeiras, de rondas de negociações, de encontros bilateriais, de fugas de informação e de declarações oficiais de responsáveis europeus revelou como a Europa está partida dentro das próprias instituições feitas para garantir a união. As declarações e desmentidos de hoje entre Juncker e Passos Coelho (apoiado por Cavaco) sobre a Grécia são apenas mais um reflexo dessa falha que se aprofunda. E que não prenuncia nada de bom.
Não é normal que o presidente da Comissão Europeia venha revelar quem se opunha e quem favoreceu determinadas negociações. Nem é normal que isso provoque uma reação de desmentido, ainda que educado, do chefe de Governo e do chefe de Estado de um país. Mas foi o que aconteceu ainda hoje. Em entrevista ao jornal belga Le Soir, Jean-Claude Juncker afirmou que “Irlanda, Portugal e Espanha não queriam [uma renegociação da dívida grega] antes das eleições e ficaram irritados comigo”. Já vamos ao conteúdo. Porque na forma nada disto faz sentido. Juncker quer tanto ficar na história como salvador das negociações (ou mesmo da Grécia…) que colocou a importância do seu ego acima da importância do seu cargo.
As feridas estão abertas mesmo dentro dos países, como se vê pelo caso do governo alemão, em que segundo a imprensa local se quebrou uma aliança que havia sido esteio da governação não só externa mas sobretudo interna: a aliança entre a chanceler e o seu ministro das Finanças. Angela Merkel defendeu um acordo com a Grécia, ao passo que Wolfgang Schäuble queria pura e simplesmente promover a saída do euro do país governado por Alexis Tsipras. Como escreveu o Spiegel, o afastamento gerou ressentimento na Alemanha e mal-estar com a França, que pode ter pedido uma governação a seis países nem sequer para eliminar os demais países mas para criar oposição institucionalizada à Alemanha.
A posição portuguesa conta relativamente pouco, não apenas pelo peso específico negocial mas também pela forma apascentada que nos últimos anos assumimos perante os poderosos da Europa. Dizê-lo não é sequer um juízo de valor, é uma observação. Juízo de valor é condenar o governo português por ter querido condenar a Grécia, o que foi sendo indisfarçável ao longo dos últimos meses e sobretudo das últimas semanas. Triste mas indisfarçável. E mais triste ainda se admitirmos que houve cálculo eleitoral nesse desejo. Se o governo espanhol queria que o Syriza fracassasse para dissuadir o voto no Podemos, queria o governo português o desastre na Grécia para valorizar o seu trabalho em Portugal? Não é sequer imaginável imaginar que isso pode ser verdade. Mais que calculismo, seria sadismo. Mas é o próprio Juncker que assume (as palavras são dele) o interesse eleitoral nacional como critério de gestão da negociação com a Grécia.
Pior que a falha diplomática de Juncker nas palavras de hoje é a falha tectónica entre países a favor e contra o acordo com a Grécia, que esta declaração de Juncker talvez involuntariamente até agrave. A gestão da crise mostrou a dificuldade de governo interno nas próprias instituições, que reclamam uma espécie de comité executivo menor e, portanto, mais ágil no debate e na decisão.
O problema não é o tamanho, é a representação. Se for para cristalizar o poder dos países poderosos sobre os países mais pequenos ou fragilizados, então subvertemos totalmente o processo de construção europeia, promovendo nem sequer uma federalização mas uma colonização política através de órgãos que nem sequer são eleitos pelos povos mas que dominarão as decisões que moldam as suas vidas.
É nisto que vamos acabar?

segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Festa Brava - e o referendo Grego.

Com este artigo na revista Visão, Ricardo Araújo Pereira quase que passou a merecer nome de rua em Lisboa.

Eh, toiro lindo! Olha o Tsipras!


"Portugal olha para o Syriza como o rabejador olha para o forcado da cara. Estamos com muita esperança no desgraçado que vai lá à frente e leva uma boa cornada do touro mas, com sorte, talvez consiga imobilizá-lo de modo a permitir que nós seguremos no lado do bicho que não aleija. É possível que esta metáfora tauromáquica seja injusta e não faça sentido. Não percebo o suficiente de tourada mas, agora que penso nisso, ser rabejador envolve muito mais coragem do que a que reconheço a Portugal (e a mim). Há que agarrar na ponta do boi que escoiceia. E, sem ajuda, fazer tudo para que os companheiros possam largar o toiro sem que o animal invista sobre eles. Não, Portugal não é o rabejador. Portugal é o forcado que aparece no fim da faena, já depois de o bicho estar morto, para se servir de umas fatias de acém, e que, se o animal calha a ter um espasmo, ainda faz xixi nas calças. Não sei como se chama esse forcado, mas somos nós. Angela Merkel, nesta metáfora, é o bovino. Neste ponto, não é necessária muita imaginação.
Ao que nós chegámos. Uma coisa é esperar o aparecimento de um rei falecido há séculos, outra é contar com um heleno para nos conseguir melhores condições de vida. Que é feito das fantasias tradicionais portuguesas? Onde estão as ilusões nacionais de antanho? É certo que a probabilidade de Portugal beneficiar da acção de Alexis Tsipras acaba por ser maior do que a do regresso de D. Sebastião, mas quão fracos têm de ser os nossos mitos para que um grego de 40 anos os substitua tão facilmente?
Felizmente, podemos contar com o nosso primeiro-ministro. Passos Coelho não espera nada de Tsipras. Não faz sentido combater a austeridade, porque a austeridade é nossa amiga. Dizer que a dívida é impagável é de uma desfaçatez impagável. O desemprego, o aumento da dívida e o incumprimento das metas do défice são fruto da má vontade da realidade, que se recusa a colaborar com o caminho certo. Desejar outra coisa é inútil e perigoso. Poderia gerar desemprego, aumento da dívida e incumprimento das metas do défice. Deus nos livre. De acordo com o primeiro-ministro, as ideias do Syriza são "um conto de crianças". É possível, não digo que não. Mas as ideias de Passos Coelho são, como sabemos, um filme para adultos. E o traseiro que o protagoniza, infelizmente, é o nosso."


Já quase só resta a "Liberdade de Expressão".

O “problema” dos capitães de Abril.


"Vi há pouco Mario Soares a cantar o hino com Otelo, vi uma série de indivíduos todos mais ou menos adeptos de sistemas políticos repressivos assumirem-se como donos da verdade a dizer que a liberdade e democracia são corporizadas apenas por aquilo que eles defendem, ignorando que isso sempre foi uma escolha minoritária dos portugueses. Vi uma comunicação social, no dia em que se alegadamente se celebra a liberdade, fazer reportagens militantes.
Vi uma série de apelos ao ódio, vi ódio, vi fanatismo, vi ingenuidade, vi ignorância, vi política baixa. Vi, com a digna exceção de Eanes, apenas discursos formatados pela conveniência político-ideológica de cada um.
Um 25 de Abril como os outros, portanto. Curiosamente o único dia do ano em que, em nome da liberdade e democracia, os valores e escolhas de uma maioria dos portugueses são formalmente insultados. Um dia que celebra valores que deveriam unir, mas que é o clímax do divisionismo entre portugueses. O único dia do ano em que sinto falta de liberdade, em que só há democracia e só é democrata quem estiver de um lado, o único dia em que me sinto marginalizado como português.
Pegando nos slogans do dia, falta fazer o 25 de Abril do 25 de Abril."

terça-feira, 23 de junho de 2015

The Political Power of Inertia


"... people, organizations, and other agents have diverse interests; action to try to produce change is costly; and the benefits of those costly actions are often diffuse. Under these circumstances, a tally of expected costs and benefits will often discourage agents from taking action, tempting them instead to forego those costs and look to free ride on the contributions of others instead."
"Despite our deep-rooted desire for change and spontaneity, our daily mobility is, in fact, characterized by a deep-rooted regularity."
"Even as we recognize that the calendar makes for a crude and arbitrary marker, we like to think that history visibly marches on, on a schedule we can codify.
The more I dove back into the weeds of 1964, the more I realized that this is both wishful thinking and an optical illusion. I came away with a new appreciation of how selective our collective memory is, and of just how glacially history moves."


https://dartthrowingchimp.wordpress.com/2014/10/25/the-political-power-of-inertia/

sábado, 28 de março de 2015

Cardinal John Henry Newman

Cited in "Brave New World", from Aldous Huxley.

Portuguese notes (end of page):

"'We are not our own any more than what we possess is our own. We did not make ourselves, we cannot be supreme over ourselves. We are not our own masters. We are God's property. Is it not our happiness thus to view the matter? Is it any happiness or any comfort, to consider that we are our own? It may be thought so by the young and prosperous. These may think it a great thing to have everything, as they suppose, their own way–to depend on no one–to have to think of nothing out of sight, to be without the irksomeness of continual acknowledgment, continual prayer, continual reference of what they do to the will of another. But as time goes on, they, as all men, will find that independence was not made for man–that it is an unnatural state–will do for a while, but will not carry us on safely to the end ...
....

"'A man grows old; he feels in himself that radical sense of weakness, of listlessness, of discomfort, which accompanies the advance of age; and, feeling thus, imagines himself merely sick, lulling his fears with the notion that this distressing condition is due to some particular cause, from which, as from an illness, he hopes to recover. Vain imaginings! That sickness is old age; and a horrible disease it is. They say that it is the fear of death and of what comes after death that makes men turn to religion as they advance in years. But my own experience has given me the conviction that, quite apart from any such terrors or imaginings, the religious sentiment tends to develop as we grow older; to develop because, as the passions grow calm, as the fancy and sensibilities are less excited and less excitable, our reason becomes less troubled in its working, less obscured by the images, desires and distractions, in which it used to be absorbed; whereupon God emerges as from behind a cloud; our soul feels, sees, turns towards the source of all light; turns naturally and inevitably; for now that all that gave to the world of sensations its life and charms has begun to leak away from us, now that phenomenal existence is no more bolstered up by impressions from within or from without, we feel the need to lean on something that abides, something that will never play us false–a reality, an absolute and everlasting truth. Yes, we inevitably turn to God; for this religious sentiment is of its nature so pure, so delightful to the soul that experiences it, that it makes up to us for all our other losses.'" 

... and continuing with comentaries from the character of the above Aldous book:


" Mustapha Mond shut the book and leaned back in his chair. "One of the numerous things in heaven and earth that these philosophers didn't dream about was this" (he waved his hand), "us, the modern world. 'You can only be independent of God while you've got youth and prosperity; independence won't take you safely to the end.' Well, we've now got youth and prosperity right up to the end. What follows? Evidently, that we can be independent of God. 'The religious sentiment will compensate us for all our losses.' But there aren't any losses for us to compensate; religious sentiment is superfluous. And why should we go hunting for a substitute for youthful desires, when youthful desires never fail? A substitute for distractions, when we go on enjoying all the old fooleries to the very last? What need have we of repose when our minds and bodies continue to delight in activity? of consolation, when we have soma? of something immovable, when there is the social order?"
"Then you think there is no God?"
"No, I think there quite probably is one."
"Then why? …"
Mustapha Mond checked him. "But he manifests himself in different ways to different men. In premodern times he manifested himself as the being that's described in these books. Now …"
"How does he manifest himself now?" asked the Savage.
"Well, he manifests himself as an absence; as though he weren't there at all."
"That's your fault."
"Call it the fault of civilization. God isn't compatible with machinery and scientific medicine and universal happiness. You must make your choice. Our civilization has chosen machinery and medicine and happiness. That's why I have to keep these books locked up in the safe. They're smut. People would be shocked it …"


Several other Quotes from the Cardinal J. H. Newman



Let us act on what we have, since we have not what we wish.



In this world no one rules by love; if you are but amiable, you are no hero; to be powerful, you must be strong, and to have dominion you must have a genius for organizing.



Growth is the only evidence of life.



We can believe what we choose. We are answerable for what we choose to believe.



Evil has no substance of its own, but is only the defect, excess, perversion, or corruption of that which has substance.



A man would do nothing if he waited until he could do it so well that no one could find fault.



Virtue is its own reward, and brings with it the truest and highest pleasure; but if we cultivate it only for pleasure's sake, we are selfish, not religious, and will never gain the pleasure, because we can never have the virtue.



It is often said that second thoughts are best. So they are in matters of judgment but not in matters of conscience.



A great memory does not make a mind, any more than a dictionary is a piece of literature.



If we are intended for great ends, we are called to great hazards.



Men will die upon dogma but will not fall victim to a conclusion.



There is such a thing as legitimate warfare: war has its laws; there are things which may fairly be done, and things which may not be done.

Algumas notas em Português:




Newman (john Henry), cardeal e teólogo inglês, nascido em Londres. Criador de uma nova apologética e autor de “Apologia pro Vita Sua” (1801-1890).

«Nós não pertencemos a nós próprios mais do que nos pertence aquilo que possuímos.
Não fomos nós que nos fizemos, não podemos ter a jurisdição suprema sobre nós mesmos. Não somos senhores de nós. Pertencemos a Deus. Não é para nós uma felicidade encarar as coisas desta maneira? Será, por qualquer razão, uma felicidade, um conforto, considerarmos que pertencemos a nós mesmos? Aqueles que são jovens e os que estão em estado de prosperidade podem acreditá-lo. Esses podem acreditar que é uma grande coisa poder realizar tudo de acordo com os seus desejos, como eles supõem, não depender de ninguém, não ter de pensar em nada fora do alcance da vista, não ter de se preocupar com a gratidão contínua, com a oração contínua, com a obrigação contínua de atribuir à vontade de outrem o que fazem. Mas à medida que o tempo se escoa apercebem-se, como todos os homens, de que a independência não foi feita para o homem, que ela é um estado antinatural, que pode satisfazer por um momento, mas que não nos leva em segurança até ao fim ... »

Maine de Biran (Grançois-Pierre) filósofo francês, nascido em Bergerac,

"O Céu e a Terra encerram mais mistérios que os que a filosofia pode imaginar"

«Envelhecemos, temos o sentimento radical da fraqueza, da atonia, do mal-estar devido ao peso dos anos, e dizemo-nos doentes, embalamo-nos na ideia de que este estado penoso é devido a uma causa particular, de que esperamos curar-nos como nos curamos de uma doença. Vãs cogitações! A moléstia é a velhice, e ela é miserável.
Precisamos de nos resignar... Diz-se que se os homens se tornam religiosos ou devotos com o avançar dos anos é porque têm medo da morte e do que a deve seguir na outra vida. Mas tenho, quanto a mim, a consciência de que, sem nenhum terror semelhante, sem nenhum efeito de imaginação, o sentimento religioso se pode desenvolver à medida que avançamos em idade, porque, tendo-se acalmado as paixões, a imaginação e a sensibilidade menos excitadas ou excitáveis, a razão é menos perturbada no seu exercício, menos ofuscada pelas imagens ou afeições que a absorviam. Então Deus, Supremo Bem, sai como das nuvens, e a nossa alma sente-O, vê-O, voltando-se para Ele, fonte de toda a luz, porque, tudo desaparecendo no mundo sensível, a existência fenomenológica deixando de ser sustentada pelas
impressões externas e internas, sentimos a necessidade de nos apoiarmos em qualquer coisa que permanece e não engane, numa realidade, numa verdade absoluta, eterna. Porque, enfim, este sentimento religioso, tão puro, tão doce de sentir, pode compensar todas as outras perdas...»

"Mustafa Mond"  (Brave New World / Admirável Mundo Novo – Aldous Huxley)
"Não se pode prescindir de Deus, a não ser durante a juventude e a prosperidade. "Pois bem, eis que temos juventude e prosperidade até ao último dia de vida. Que resulta daí? É manifesto que não podemos ser independentes de Deus. «O sentimento religioso compensará todas as nossas perdas.»
Mas não há, para nós, perdas a ser compensadas; o sentimento religioso é supérfluo. E., porque iríamos nós atrás de um sucedâneo dos desejos juvenis, quando os desejos juvenis nunca nos faltaram? De um sucedâneo de distracções, quando continuamos a gozar todas as velhas' tolices até ao fim? Que necessidade temos nós de repouso, quando o nosso corpo e o nosso espírito continuam a deleitar-se na actividade? De consolação, quando temos a soma (narcótico)? De qualquer coisa imutável, quando há a ordem social?

Deus não é compatível com as máquinas, a medicinacientífica e a felicidade universal. É preciso escolher. A nossa civilizaçãoescolheu as máquinas, a medicina e a felicidade. Por isso se torna necessárioque eu conserve estes livros fechados no cofre-forte. São indecentes. O povo ficaria escandalizado se ...”